Ela me pedia sempre que eu fingisse que era domingo.
Inventava no despertador um ruido de mentira amorosa
e até no canto dos pássaros,
que depois que ela acordava
gorjeavam como se nunca houvesse segunda-feira.
Eu aceitava
e até acreditava que todos os dias eram domingos.
Pois com ela, as manhas vinham ao sabor de um outro gosto,
sobravam sempre restos de amor no lençol,
e também nas fronhas.
E até o barulho da água ensaboada da ducha,
escorregava doce por nosso anseio a quatro orelhas.
Um dia me fui para sempre.
Rasguei nossos fusos horários
e cruzei o planeta furando o globo em 24 horas.
Peguei o elevador ainda pensando que era domingo,
e no jornaleiro me equilibrei entre as maletas
e as manchetes borrosas da primeira página.
Era uma quarta-feira,
mais cinza que as cinzas do calendário,
E eu voltava a viver uma semana de sete dias,
de segunda a segunda,
sem ela,
sem sonho de tempo ancorado no domingo.