terça-feira, outubro 31, 2006

COOKING AT THE FIRE, MARRAKESH, 2006

MEUS FILHOS

Vão passando os anos,
vão passando os dias,

se somando horas,
minutos, segundos...

V
ão crescendo as vozes,
vão saindo os pelos,

e os medos,
e os amores,
e eu espreitando tudo de longe,
com o nariz cheirando o coração deles.

Vou perdendo as pernas,
vai passando o tempo,
e o vento soprará cada vez mais brando
ate que de todo eu me apague.

Mas sempre vai viver acesa,
mesmo depois das fronteiras do céu,
essa fonte de água tao clara
onde a cada instante bebo o amor por meus filhos.

Cada domingo

Ela me pedia sempre que eu fingisse que era domingo.
Inventava no despertador um ruido de mentira amorosa
e até no canto dos pássaros,
que depois que ela acordava
gorjeavam como se nunca houvesse segunda-feira.


Eu aceitava
e até acreditava que todos os dias eram domingos.

Pois com ela, as manhas vinham ao sabor de um outro gosto,
sobravam sempre restos de amor no lençol,
e também nas fronhas.

E até o barulho da água ensaboada da ducha,
escorregava doce por nosso anseio a quatro orelhas.

Um dia me fui para sempre.
Rasguei nossos fusos horários
e cruzei o planeta furando o globo em 24 horas.
Peguei o elevador ainda pensando que era domingo,
e no jornaleiro me equilibrei entre as maletas
e as manchetes borrosas da primeira página.

Era uma quarta-feira,
mais cinza que as cinzas do calendário,
E eu voltava a viver uma semana de sete dias,
de segunda a segunda,
sem ela,
sem sonho de tempo ancorado no domingo.

segunda-feira, outubro 30, 2006

La porte est fermée

" La porte est fermée"
Sant Feliu, Catalunia, 2006


Le froid arrive sur les plages.
Plus rien a faire.
Les portes seront fermées jusqu’à l´été prochain!

El cielo desde la azotea

Cristina e as jaboticabas

 

Acho que me passei no uísque. Descobri assim que o garçom trouxe a conta, e me entrou uma vontade tremenda de sair daquele lugar cheio de gente chata e superficial. Eu precisava respirar, renovar o que fosse pra acabar com aquele enjoo. O mundo se embaralhava e a minha volta tudo se transformava num pacote só: vomitar!
 
Cristina era mais que uma amiga. Era uma mulher com quem eu podia dividir a cama, sem ter que acordar no dia seguinte e justificar que cada um tomaria seu rumo, sem culpas nem rodeios. Pedi que ela levasse o carro. A verdade é que eu me arrebentaria a cara na primeira árvore que encontrasse pelo caminho. Ela me dizia: " Abre a janela e vomita, vai te fazer bem, mané!". Mas eu fingia não escutar, acho que por vergonha. Isso foi antes de apagar.

 
Ainda não eram as 9. Acordei com a cabeça pesando toneladas. Acendi um cigarro na beira da cama, evitando a claridade que o verão já vomitava pela janela. Olhei as coxas da Cristina, largadas como deserto até a altura da marca do biquini. Me passou pela cabeça escorregar por debaixo do lençol. Eu sabia que Cristina gostava de acordar assim, com meu desejo esquentando por detrás sua preguiça de fêmea dengosa. Mas acabei saindo do quarto como um gato pisando veludo. Cristina seguiu dormindo. 

 
Quando entrei na cozinha só pensava em café. As mulheres têm uma maneira curiosa de organizar seu mundo. Passei quase dez minutos buscando o maldito pó. Cheguei a pensar que o melhor seria ir embora de estomago vazio. Talvez me debruçar no balcão gorduroso de um boteco qualquer, pedir uma media e tragar um cafe vagabundo, evitando descobrir um detalhe a mais na minha intimidade com Cristina. Quando por fim encontrei a caixinha de metal do cafe, me dei conta que descobrir a alma de uma mulher passa por investigar suas pequenas tramas diárias, seus frágeis cenários, suas dissimulações adoravelmente sedutoras. Tudo como se a vida fosse um eterno jogo de bonecas. Cristina era uma mulher importante pra mim, me provocava essas sensações especiais, coisas que me equilibravam como homem e como amante. Reconsiderei meu destino e fiz o cafe!

 
Meia torrada com queijo de minas e o cafe me bastaram. Tinha na boca um gosto de figado, e na cabeça a consciência de que com o passar dos anos a cirrose podia acabar comigo. Foi quando o sonho que tive depois da bebedeira se descarregou como um flash. Não tinha ideia de como havia chegado ali. Nem do que havia feito, sair do carro, entrar no edifício e no elevador, ficar pelado ou ser violado por Cristina. Quando dizem que cu de bêbado não tem dono, sou forçado a pensar que a pica tao pouco. E isso não tem nada que ver com abuso, ao contrario. Me excitava a sensação que Cristina havia podido arrancar de mim algum prazer que compensasse o meu estado tao desagradável. Não me recordava de nada, mas do sonho sim. Vinha claro como se o tivesse vivido de verdade. Era assim...

 
"A jabuticabeira estava carregada. Soprava um vento tremendo e o chão era um mundo de bolinhas pretas. Tinha sete anos, não mais. A lembrança da ultima festa de aniversario vinha adornada por um bolo da Kibon, novidade meio bolo, meio sorvete, todo cravado com umas bandeirinhas com desenho do urso polar da Kibon. Isso nada tinha que ver nem com as jabuticabas, nem com o vento que salpicava tudo de negro. Passei pelo viveiro de pássaros, estilo inglês, enorme para as minhas vistas de menino. O chafariz de ferro, no centro da gaiola gigante, era disputado por pardais, canários, papagaios y rolinhas vagabundas que assumiam um certo ar nobre naquele pequeno cenário aristocratico.

 
Trinta anos depois voltei ai para rever a jabuticabeira e o chafariz. Já não estavam mais. E a casa guardada na memoria de infância tao pouco. Tudo havia desaparecido, dando lugar a uma caixa verde água, com grades por todas partes e plantas atificiais. Acho que por dentro eu chorava, buscava no tempo um sorriso com gosto de fruta madura, um canto à primeira hora da manha, uma foto de carnaval pendurado de índio naquela jabuticabeira balançada pelo vento. Despertei de minha tristeza com a buzina chamando para que eu voltasse para o carro. Era hora de ir embora.

 
Já são quase 10. Cristina acaba de entrar na cozinha. Eu já não penso mais na minha infância e voltei a dividir a manha de domingo com meu figado chumbado. Estava linda, meia cara amassada e o cabelo revolto de travesseiro. Cristina sabe o quanto me alucina que ande pela casa só de calcinha. Acho que pensa em voltar para a cama. Beijarei sua boca com gosto de cafe e vodka, e me entregarei a ela com sonhos de jabuticabas.

terça-feira, outubro 24, 2006

Facada sentimental


Foi de dia, um dia lindo daqueles em que o verão canta cheio de cigarras, e que a briza do mar chega no rosto com sensação de beijo na boca. Fiz sinal pro ônibus. Como sempre tive que estirar o passo, já que o motorista vinha a mil e a freada escapou do ponto. Quando passei pela roleta pensei que o verão podia ser eterno, que aquela luz ofuscante de vida podia entrar sempre por aquelas janelas encardidas, que a luz, sendo invenção de Deus, podia seguir descoberta, sem nuvens, sem brumas, luz eterna.

Sentei tranquilo, olhando a cidade passar lá fora como criança travessa. Minha cidade parece sempre estar feliz. Sei que isso não passa de engano. Não me detenho nas suas feridas e me tapo os ouvidos quando me grita sua violência. Se mostra sua boca banguela e fedorenta, sigo olhando a paisagem, quase menino, igual quando saia lendo para o meu pai todos os letreiros de loja e as propagandas pelo caminho. Sentia cheiro de subúrbio.

E no meio da infância, perdido na memoria do lotação 455/Copacabana-Méier, senti a ponta de um canivete me despertar na altura do baço. Aquele filho da puta, arisco como uma ratazana, chegou sem que eu me desse conta da arapuca. E virei presa fácil. Não tive coragem nem de olhar nos olhos dele. Perguntei baixinho: " Você quer furar o meu baço, o fígado ou prefere o meu pulmão?".

Bandido que fica com medo é bandido mais perigoso. E eu sei que dei um nó na cabeça dele. Me respondeu: " Não sei freguesia, tenho que parar pra pensar. Você fuma? " Foi quando descobri que eu já estava morto. Por que não era possível que a gota de suor que escorreu pelo rosto do bandido, e se esborrachou no chão do ônibus, fizesse todo aquele ruido, quase como uma bomba d´água espatifando líquido por toda a cidade. O barulho tenso daquela gota não parava de ressonar na minha cabeça. E porque queria saber se eu fumava? Se era pra me matar, que diferença fazia? Bandido que é bandido não sabe o que é filantropia nem tem sentido humanitário! Pra transplante não era, nem pra venda de órgãos. Porque essa curiosidade de baitola na hora da minha morte, porra?

Era isso, eu já estava morto por uma canivetada no pulmão, e talvez também por outra nas costas, na altura da nuca, ultimo ato da fuga apressada. O cheiro do sangue me dava náuseas, vinha a vontade de vomitar. Foi quando o bandido me chamou outra vez pra vida, dizendo: "Passa a carteira e o relógio, mas sem dar pinta. Se não eu te furo, freguesia!" . E então renasci! Olhei pra ele, e sem pensar em nada que não fosse acertar de vez minhas contas com o patrão do céu, lancei um apelo ultimo e definitivo: " Amigo, lhe vou a pedir um favor. Já que o verão não pode ser eterno e que as brincadeiras dessa cidade escondem tanta merda e miséria, crava isso no meu peito, e sai daqui com mais um na tua lista. A porra da carteira é minha e o relojo também é meu. E não vou dar de graça porra nenhuma pra você, falou? " .

O dia realmente era lindo, cheio de sol, com a briza do mar tocando no meu rosto feito beijo na boca. Acho que o ladrão vivia dentro de mim e jamais sentou do meu lado no lotação. Nesse verão preciso redobrar o cuidado com a minha própria sombra. E ao menos ao meio dia, com o sol a pino e pisando vertical minha imagem de homem de bem, poderei respirar aliviado sem medo do ladrão.

El desierto azul

Eran dunas y infinitas dunas
que parecían alcanzar la luna,
de un intenso amarillo arena,
capaz de quemar retinas, amplio como el oro.

Eran dunas y dunas
y dunas
y dunas y dunas y dunas y dunas
y dunas y dunas y dunas y dunas
y dunas
y dunas y dunas y dunas
y dunas
y dunas y dunas y dunas...

Y hacia donde mirara
sentía la misma sensación de vacío,
hueco pleno de misterio, integral.
Por la pista de arena torrada,
las marcas del ultimo Land Rover
perecían tener siglos de historia.

¡Nadie se había aventurado a volver aquí!
Lo habían olvidado todo y se acojonaron a volver.
Por eso mi encuentro guarda tanta voracidad
y esas dunas tienen su sentido único,
mi momento de eterno amarillo.

Caminé sin darme cuenta del tiempo,
el viento cortaba intermitente
y con el me escapaban los minutos y la consciencia.
La arena fina hacia olas en el aire
y borraba la marca de mis pies por el destino.


Creo que al final de la mañana he tenido la revelación azul.

El sol estaba todavía más fuerte,
me ofuscaba robándome la dirección.
Podía estar seguro de haber cogido la
buena ruta,
pero en seguida,
me perdía en mi mismo, sin rumbo, sin deseos.

Fue cuando de pronto todo se transformó en azul,
la arena amarilla en azul,
el sol en azul,
el aire en azul,
mi piel en azul,
mis pensamientos in blue.

Alface e lágrimas

Maria foi ao mercado
e saiu de lá carregando pouca comida.

É que faltava dinheiro,
tempo havia de sobra.

Andou, andou, fez até bolhas nos pés.
E que fique claro que o prego não foi por carregar peso.
É que Maria,
meio cara de triste, meio cara de puta,
mal conseguiu encher pela metade a bolsa das compras.
E mesmo assim porque só comprou muita verdura,
quase tudo salada,
que faz volume na geladeira,
e faz volume também na alma da fome.


José,
que já não aguenta mais o desemprego,
ficou esperando Maria voltar com sua meia sacola.
José de burro não tem nada,
sabe contar tostões como um craque.

E sabia que vinha tudo salada, volume verde da situação preta.

José olhava pela janelinha da cozinha do sétimo andar,
equilibrando a vida na ponta de um banco.
Olhava Maria, olhava a alface,
e também o asfalto, esperando que ele tivesse culhões.


Aí José e Maria sentaram os dois à mesa
e comeram em silencio, calando verdades.
O paliteiro ficou guardado,
evitando memória de carne de vaca.

Tampouco puseram guardanapos, evitando azeite.
Os palavras foram poupadas com água,
goles abundantes,
tentando disfarçar o sal carregado

pra dizer à boca que existe algo em fartura.

Mais tarde,
lá pelas tantas da madrugada quente,
Maria e José farão par no colchão de crina.
Felicidade é poder desatar toda a água e o sal da janta
em lágrimas casadas com o que vai faltar na compra do dia seguinte.

Uma reflexão

É tarde. Seguro todos estarão dormindo, mas isso já não faz diferença. As ideias passam, a velocidade tem o silencio da noite. Vale perguntar porque estou só? Acredito que não! Acho que uma moto passou pela esquina, ainda posso ouvi-la se afastando. Outra vez silencio e solidão. Não vou ligar a televisão, seria fácil abandonar-me na ilusão de que o mundo está ao meu alcance. De todas maneiras, o pensamento fastidioso de tantos canais por satélite, a essas horas da madrugada, me cairia como um sal de frutas caducado depois de uma bebedeira. Melhor é tragar em seco meu abandono, e rir de qualquer coisa, buscada com displicência na minha solidão. Outro motor passou pela esquina, dessa vez mais silencioso. Talvez seja um carro de luxo, com assentos de couro e boa música ambiente. Talvez nele exista também alguém só. Mas ele já se afasta pelo asfalto e não nos diremos palavra. Um homem pode tornar-se patético tentando agarrar o mundo com as mãos suadas de solidão. É melhor dar um pontapé na própria existência, e pensar que a vida e uma bola de futebol, safada, descarada de tanto ser chutada de um lado ao outro no campo de batalha. O carro da minha alma gêmea já cruzou a curva do mirante, de onde se pode contemplar a cidade inteira. Barcelona vista de cima é ingenua como uma donzela de pele clara e longos cabelos negros. Negra também é essa noite sem lua, nem fria, nem cálida. Estou como um pássaro protegido em seu ninho, sem vontade de alçar voo em busca de comida. Assim estão expostas minhas ideias, repassadas nesses poucos minutos , sem que eu possa evitar de estar farto de mim mesmo. Assim estão contadas as centenas de vezes que minhas pálpebras abrem e fecham, buscando algum alento na solidão dessa madrugada sem rosto. Outro carro cruzou a esquina e ainda cruzarão tantos outros ,antes que me renda ao peso do cansaço e possa enfim desfrutar de um pouco de sono com paz. Até amanha.

sábado, outubro 21, 2006

¡Todavía no!

Todavía estoy buscando las palabras.
Sé que tu no tienes prisa,
ya que mismo sin conocerme
tienes la paciencia de los demonios.

Y tus demonios son infantiles,
se despistan con un trozo de dulce,
con unas palomitas a la entrada del cine,
con una queda libre desde una montaña russa.

Las estoy buscando las palabras,
ellas vendrán.

Y cuando me escapen entre los dedos,
haciéndome cosquillas
y dejando que el sudor se convierta en miel,
estaremos juntos de alguna manera.

Compartir la felicidad es solo una decisión,
un acto sencillo de amor
que transciende el tiempo y las ventanas.

Las palabras saldran ¡no te preocupes!
Aqui seguiré!
Búscate el momento justo!

sexta-feira, outubro 20, 2006