segunda-feira, julho 05, 2010

O RESTAURADOR

Aqui vivem cupins e traças
nutridos por séculos de biografia oculta.
A serragem se acumula pelos quatro cantos
feito poeira de ossos talhados de troncos
sem jazigo num cemitério de móveis por remendar.

Pelas esquinas abarrotadas de trastos,
escondem-se pontas carburadas de boa erva,
e pedaços ressecados de papel higiênico
consumidos pelo sofrego limite da razão.
São delírios solitários e punhetas sem consolo.

Estéfano é um homem reto e plano,
sobrevive do oficio de restaurar abandonos
enquanto segue buscando um verdadeiro amor.
As mulheres já foram tantas
que as casas montadas e desmontadas de esperança
poderiam encher os salões de Versailles.

A cada desilusão mais trabalho.
Talvez para encher o vazio da cama
e compensar a fome insolente,
palitando os dentes desleixados na mesa sem toalha.

As roupas manchadas, esgarçadas e sem botões
alertam que as restaurações precisam ser perfeitas.

É que Estéfano tem somente pra mastigar
um dente de ouro por cada amor fracassado.
E quando sorri por engano,
magoado pela afeição morta do seu coração de lenha,
a boca brilha mais que o sol ardente do deserto
e seus olhos apagados reluzem noite de lua nova.

Mesas, camas, armários, cadeiras,
serrotes, chaves, lixas, alicates,
martelos, plainas, pregos e parafusos,
enchem o tempo esperando um novo amor,
enquanto pela radio coberta de pó
acompanha uma partida qualquer de futebol.