segunda-feira, julho 05, 2010

O GENOVÊS

Nunca rastejou no encalce de bandido.
Era capo puro sangue genovês,
investigador de ouro da polícia de elite.

Com olfato fidalgo de caçador perdigueiro,
traçava de memória pista por pista
e cantava chave certeira sempre ao final.

Menino, já escapulia de emboscada
na rixa fratricídio entre vermelhos e fascistas.

Aprendeu a contar com eco de rajada
e a gostar de sexo, cuspindo em buraco de bala.
Com ricochetes assoviando pedra,
trocou de voz saltando poças de sangue
e secou lágrimas sem nunca saber chorar.
Compreendeu também porque em combate
a morte sabe sempre a gosto macho.
Viu fenecer o pai, os tios e o irmão mais velho
com o fardo amargo de sobreviver varão.

Pelas fúnebres vielas da Ligúria em pé de guerra,
sabia o sobrenome e o dialeto de cada desgraça.
Já não confiava mais na justiça de Deus
nem tão pouco no vômito dos homens,
mijando artilharia do alto dos campanários.

Bala jamais lhe passou rente à cabeça
a deixar zonzo o tímpano assustado.
Nem sacou pistola, nem matou bandoleiro
sem ditar justiça com o próprio gatilho.

Esmiuçava cada delito indecifrado
com alma detalhada de artífice,
com tal obsessão milimétrica
que buscava ciência em poeira,
lupa, microscópio e neurônios,
afiados como única munição contra o destino.

Com o cansar inevitável dos anos,
buscou no sorriso com meio dente,
graça na desgraça dos ossos do ofício.
Tricotava ingênuo mitos de bandidos e mocinhos
estirado no tapete felpudo da sala,
babado de açúcar pelos netos,
mimado pelo pastor e pelo gato,
como se as primaveras não estivessem gastadas
e fosse ainda metade grande
e metade moleque travesso.

A família sim, tinha moldura especial de ouro,
muito mais que as medalhas e comendas
arrebatadas por honra ao mérito
e guardadas numa velha caixa de sapatos.