Nunca rastejou no encalce de bandido.
Era capo puro sangue genovês,
investigador de ouro da polícia de elite.
Com olfato fidalgo de caçador perdigueiro,
traçava de memória pista por pista
e cantava chave certeira sempre ao final.
Menino, já escapulia de emboscada
na rixa fratricídio entre vermelhos e fascistas.
Aprendeu a contar com eco de rajada
e a gostar de sexo, cuspindo em buraco de bala.
Com ricochetes assoviando pedra,
trocou de voz saltando poças de sangue
e secou lágrimas sem nunca saber chorar.
Compreendeu também porque em combate
a morte sabe sempre a gosto macho.
Viu fenecer o pai, os tios e o irmão mais velho
com o fardo amargo de sobreviver varão.
Pelas fúnebres vielas da Ligúria em pé de guerra,
sabia o sobrenome e o dialeto de cada desgraça.
Já não confiava mais na justiça de Deus
nem tão pouco no vômito dos homens,
mijando artilharia do alto dos campanários.
Bala jamais lhe passou rente à cabeça
a deixar zonzo o tímpano assustado.
Nem sacou pistola, nem matou bandoleiro
sem ditar justiça com o próprio gatilho.
Esmiuçava cada delito indecifrado
com alma detalhada de artífice,
com tal obsessão milimétrica
que buscava ciência em poeira,
lupa, microscópio e neurônios,
afiados como única munição contra o destino.
Com o cansar inevitável dos anos,
buscou no sorriso com meio dente,
graça na desgraça dos ossos do ofício.
Tricotava ingênuo mitos de bandidos e mocinhos
estirado no tapete felpudo da sala,
babado de açúcar pelos netos,
mimado pelo pastor e pelo gato,
como se as primaveras não estivessem gastadas
e fosse ainda metade grande
e metade moleque travesso.
A família sim, tinha moldura especial de ouro,
muito mais que as medalhas e comendas
arrebatadas por honra ao mérito
e guardadas numa velha caixa de sapatos.