quarta-feira, junho 30, 2010

SEMANA SANTA



Na solitária e quase morta aldeia de Missano,
encravada a longa vista do salitre Mediterrâneo,
Cristo avança embriagado a passos de sangue,
equilibrado pela fé bruta de braços de ferro.

Com séculos de pedra, do alto do campanário,
já apregoam a chegada triunfal do redentor.
São acordes ordenados sem suspeita,
terna melodia consagrada sem refrão
aos filhos da montanha em procissão de penitência.

Unidos ao redentor, de olhar quase morto na cruz,
passo a passo, como rumo ao calvário,
homens expiram seus pecados corpulentos
na missão de conduzir o Pai ao altar em festa.

Os músculos retesados por força e sacrifício
consumem gestos quase a ponto de explodir.
Cataratas de uma transpiração fétida e nervosa,
encharcam o tempo que falta revezado com  Jesus.

E sob o olhar preocupado de tantas Marias,
mantilhadas de negro e com semblantes flamejantes,
unem-se os eternos matrimônios de carne e alma,
os sexos ainda rebentos em busca de aventura,
os desamparados pela mórbida viuvez,
aquelas crianças atadas com zelo desmedido,
ou aquelas soltas ao destino dos demônios.

Ao cortejo festivo do povoado de Missano
somam-se também cachorros vadios e gatos negros.
e algumas ordinárias Madalenas montanhesas
desdenhadas pela gente como micróbios pestilentos. 

Guiados pela bússola da fé,
sem antídoto de culpa
e afogados na eterna dor do desamparo,
avançam todos em remissão
feito família sem futuro nem coerência.

Com flores de veludo e velas brancas de artifício,
pousarão feito algodão a santa imagem no altar.

Ao final da missa, olharão a Deus de rabo de olho
amarrotados por cada trago atravessado no dia-a-dia.